Sunday, January 31, 2010

Sobre livros com Anaïs Nin


Quais são os escritores que nos enriquecem? Penso que isso é diferente para todos. Penso que lemos muito subjetivamente. Lemos aquilo de que precisamos. Há quase uma força obscura que nos guia para determinado livro numa determinada altura; depois criamos problemas quando tentamos racionalizar isso e dizemos que este escritor é bom e aquele escritor é mau. Nunca fui capaz de dizer isso. Compreende, não posso dizer que Simone de Beauvoir seja má escritora, mas posso dizer que não me enriquece. O que é uma afirmação totalmente diferente. E penso que isso varia muito. Elaborei uma lista de escritoras e dos seus livros que me enriqueceram. Mas não é uma seleção literária. É uma seleção puramente subjetiva e a sua podia ser totalmente diferente. Perguntam-me muitas vezes o que penso acerca de Simone de Beauvoir, o que penso acerca de The Golden Notebook, e é-me sempre difícil responder. Não os considero livros enriquecedores, porque me repetem incessantemente como as coisas estão, mas nunca me mostram como posso mudá-las. Logo, quando Simone de Beauvoir escreve um livro acerca do envelhecimento, ela está a curvar-se à idade cronológica e a dizer que em determinada altura ficamos velhos. Mas nós às vezes ficamos velhos aos vinte anos. A idade é outra coisa que temos de transcender e de encarar com outra atitude. Não é cronológica. E penso o mesmo em relação à descrição de coisas tal como elas são, sem uma abertura que nos diga para onde podemos ir a partir dali ou como podemos transcendê-las, que encontro naqueles que chamo os escritores enriquecedores. É por isso que, quando não estou apaixonada por escritores, digo sempre que posso respeitar as suas ideias, mas que não me dão o sentimento que me empurra para a vida.

*****

De acordo.

Friday, January 29, 2010

Sobre o céu de Paris com Édith Piaf

Hm, hmm...



Sous le ciel de Paris
S’envole une chanson
Elle est née d‘aujourd’hui
Dans le coeur d’un garçon
Sous le ciel de Paris
Marchent les amoureux
Leur bonheur se construit
Sur une air fait pour eux
Sous le pont de Bercy
Un philosophe assis
Deux musiciens, quelques badauds
Puis des gens par milliers

Sous le ciel de Paris
Jusqu’au soir vont chanter
L’hymne d’un peuple épris
De sa vieille Cité
Prés de Notre-Dame
Parfois couve un drame
Oui, mais à Paname
Tout peut s’arranger
Quelques rayons du ciel d’été
L’accordéon d’un marinier
L’espoir fleurit
Au ciel de Paris

Sous le ciel de Paris
Coule un fleuve joyeux
Il endort dans la nuit
Les clochards et les gueux
Sous le ciel de Paris
Les oiseaux du Bon Dieu
Viennent du monde entier
Pour bavarder entre eux
Et le ciel de Paris
A son secret pour lui
Depuis vingt siècles il est épris
De notre île Saint-Louis

Quand elle lui sourit
Il met son habit bleu
Quand il pleut sur Paris
C’est qu’il est malheureux
Quand il est trop jaloux
De ses millions d’amants
Il fait gronder sur eux
Son tonnerre éclatant
Mais le ciel de Paris n’est pas longtemps cruel…
Pour se faire pardonner, il offre un arc-en-ciel…

Tuesday, January 26, 2010

Passeando com Virginia Woolf


Do canteiro oval de flores erguiam-se talvez centenas de talos se alongando entre folhas em formatos de coração ou de línguas, enquanto cresciam e se desenrolavam na ponta de pétalas vermelhas ou azuis ou amarelas manchadas com borrões que afloravam à superfície; e do escuro vermelho, azul ou amarelo dos seus interiores emergia uma estreita barra, áspera com pó de ouro e com um leve formato de clava na extremidade. As pétalas eram volumosas o bastante para se agitarem com a brisa, e quando elas se mexiam, as luzes vermelhas, amarelas e azuis passavam umas sobre as outras, tingindo alguns poucos centímetros de terra marrom por baixo, com borrões dos mais intrigantes. A luz caía ou sobre a lisa superfície cinza de uma pedrinha, ou sobre a concha de um caracol com veias circulares, em tons marrom, ou, quando caía sobre uma gota de chuva, se expandia com tamanha intensidade de vermelho, azul e amarelo que se esperava que de tão finas suas paredes se rompessem ou desaparecessem. Em vez disso, a gota, em um segundo, ficou de novo prateada, e a luz então se acomodou sobre a superfície de uma folha, revelando a ramificação de filetes de fibra sobre a superfície, e novamente se moveu e espalhou sua luz sobre os vastos espaços verdes abaixo das cúpulas das folhas em formatos de corações e línguas. Então a brisa soprou sem dúvida ainda mais vivaz no alto e as cores passavam no ar, nos olhos de homens e mulheres que caminham por Kew Gardens em julho.

(fragmento de "Kew Gardens", o conto de Virginia, e de Kew Gardens, o Jardim Botânico Real nas redondezas de Londres)

Wednesday, January 13, 2010

In Neruda we trust


Para um bom começo de ano, que todos sigamos sendo, e com o coração interminável.

...

Falando nisso, hoje eu tive a prova de que sim, ainda existe bondade no ser humano. Subindo no ônibus, correndo como sempre, paro atrás de uma mulher com uma sacolinha e o bilhete único na mão. Ela vira pra mim, que estava esbaforida, e diz: "passa comigo?". Não entendo, ainda dormindo do jeito que estava, até que ela me mostra o bilhete de portadora de necessidades especiais. Ela é surda. Passou pela catraca e me deixou passar em seguida. Eu agradeço uma, duaz vezes. Ela sorri, de verdade.

Ainda há corações intermináveis.